terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Lição do dia



Estava quase a chegar ao topo das infinitas escadas do metropolitano da Baixa Lisboeta. Sem pressas. Ainda era demasiado cedo para me sentir stressada. Dia raro. Pela milésima vez atravessava parte da calçada do Chiado, a caminho da faculdade. O simbólico eléctrico fazia o seu percurso habitual. Deve ser o transporte favorito dos turistas. E dos idosos. Este estava a chegar à paragem do costume. As pessoas entravam, ocupando o lugar das que saiam. Estavam quase todas lá dentro quando reparo numa senhora. Vá, uma velhinha a tentar acelerar o passo na tentativa de apanhar o eléctrico. De facto, apenas uns 10 metros a distanciava da porta da frente. Fez um ultimo esforço levantando a bengala como forma de chamar a atenção do condutor. Com a confusão das pessoas ali amontoadas, tal sinal não foi suficiente. O eléctrico fecha as portas e continua a sua rota. A velhinha fica esquecida para trás, cansada da mini corrida que deu (5 passos se tanto). Para ela deve ter sido a maratona do dia. Tenta apoiar-se no parapeito da janela mais próxima de si. Enquanto recuperava o folgo, eu já ia muito mais à frente no meu percurso, no entanto não conseguia descolar o olhar daquela rápida, discreta e esgotante cena. Ninguém se importou com a velhinha, ninguém a viu, ninguém a ajudou. Já passou. Por outro lado, eu senti-me omnipresente desde da chegada do eléctrico ao recupero do fôlego da velhinha. Podia ter intervido. Podia ter perfeitamente dado dois largos passos e batido na janela do condutor a pedir para reabrir a porta. Podia ter agido. Em vez disso, o meu pensamento estava petrificado, sem conseguir interromper a passada habitual para a faculdade. Uma cena de poucos segundos, insignificante para todos ali presentes, tornou-se no primeiro arrependimento do dia, para mim. E da primeira derrota da velhinha. Que nada mais lhe restava do que ficar ali mais 15 minutos à espera do próximo eléctrico. Parei no passeio. Observei uma última vez a velhinha. Típica avózinha que todos gostariamos de ter.

Dizem que se deve pensar antes de agir. E dizem.me que penso sem agir. E nestas alturas sinto.me, não sei, uma pessoa sem qualquer tipo de sensibilidade, reflexos ou raciocínio. Impedida por uma hesitação entre reagir instantaneamente e não fazer rigorosamente nada. Vejo as coisas passarem à minha frente num piscar de olhos. A escapar-me entre as mãos. Aquela avózinha lutou ate não poder mais, para alcançar o que queria. A idade e a força já não o permitem. A falta de vontade e o excesso de indecisões foi o que me impediu de a ajudar. Mais um momento banal que se transformou numa pequena lição de vida. Já tinha saudades destes momentos. Dificilmente será esquecido.

Desculpe, disse para mim mesma, foi sem querer. Virei costas e continuei.